Uma pedra no lago.

A princesa que vinha correndo pelas maçãs do lago quando tropeçou se viu concentrada num pedaço do seu coração. Seus pomares de cera, nos seus infinitos castelos internos, não eram nada como aquelas maçãs as quais tanto queria apanhar no lago. Quanto mais se aproximava desse lago mais pesados seus calcanhares se tornavam e mais choravam as videiras de suas crenças, as quais cresciam sem limites pelos muros de seu conforto. Não parou... não parou de caminhar até que suas costas já não aguentassem as dores lancinantes de algumas lembranças mórbida, aí então, parou. Não o devia ter feito. Uma vez parada, quis voltar. Foi tarde. A luz que iluminava o caminho de volta já tinha se ido há tempos, muito antes do primeiro calcanhar clamar misericórdia. Gritavam-lhe nos ouvidos "CORRA, FUJA, CORRA" e uma vontade visceral dizia, aos sussurros. "continua...". O lago se aproximava dela a medida que ela se aproximava das maçãs. Quando já lhe sorriam às mãos desejosas, quando os dedos puídos e moídos de dor e estafa tocaram as maçãs geladas com o frio taciturno de uma noite da consciência... ela acorda, sorri. E começa correr em direção a um lago, no qual em seu entorno existem maçãs... E assim acontece, assim tem acontecido e assim sempre acontecerá.

Gli amici scuri

Uma cigana que ouvia balé russo me chama pra conversar e diz coisas que não sonhei, melodias que não ouvi e cautelas que não preciso tomar.


Essa cigana me diz que nem sempre o irmão da Noite caminha a seu lado, mas que sempre, pra algum, um de seus filhos, ela traz.

Que pra sempre haverá morte onde se deseja a vida.

Ao questioná-la sobre conselho não cabível, sendo possivelmente conhecimentos para outro qualquer, me disse a cigana:

Tu que és, tu que já não mais está,
É pois então teu fim ou os meios de outrem?
Sois o caminho ou sois a chegada?
Há de ser chegada sendo tu o que és?
Assassina para ti mesmo tudo aquilo que lhe é morto.
Almeja ser o fim de si mesmo apenas os heróis
E já é passado o tempo desses.
Matam aquilo que desafia a luxúria da inocência incoerente.
Para que jamais a dúvida abata sua certeza de jarro oco.
Mantendo assim para sempre um altar com velas e um espelho
Apunhalam pelas costas as próprias verdades
Podendo assim transformar a pedra em que repousam em penas de ganso
Penas todas estas, que um dia escreveram cartas de amores.
Agora vá, não me cedas mais teu ouro de alquimista cego.
Não me permitas mais olhar-te tão fundo nos olhos.
Se me deixar, portanto, não demora que chegue teu tempo.
E tanto a Noite quanto o medo hão de ver-te aos prantos.

Ciência

É que no retorno me entorno e me envolvo
Meio revoltado por tonar a reter em mim o revolto revólver
Que não mais dispara
Não dispara mais que uma bala
Uma bala contra si...

Louco Tergiversar

Queria a bem quista cretina que cravou em cravos e canela
A cadela mordida bem doída de dia, moribunda e fedida
Danada que dizia que iria querer a cretina mordida.
Fedia que doía, morrida e safada, mortinha que nem ela.
Sem vergonha, cadela, bendita que me disse de dia
Que iria nada de mordida cretina sem vergonha.

Assim leva a vida um amigo.
Assim eu levo a vida a um amigo?
É assim que se leva a vida, amigo?
Assim que se lava a vida de um amigo?
Amigo?

Queria só que de amigo cretino, fedido e doído
Fosse morrido de dia num domingo mordido
Pra pousar de galante numa bendita cadela moribunda.
Sem vergonha dessa fada, dessa fase, safada e cansada.
Pelada por ver nada.


De nada

Obrigado.

(Eu disse que sim.


Eu sei. Obrigado.
Pois não.


Pôs não. Não, Obrigado?
Não obrigado, foi de boa vontade.
Então sim?


Não obrigado. Sim de boa vontade).

De boa vontade