Que foge aos brilhos teus.

E onde tem? Poesia? Poesia.
Tem onde se sabe notar.
A poesia tem em si as coisas e não o contrário.
Mas e onde achar? Mas e onde saber ver?
E onde, dentre tantos sorrisos sem brilho,
Abraços sem calor e noites sem amor, achar poesia?

Se assim o diz, para ti, poesia é um lugar.
Não há de se ir em lugar algum pela poesia.
Poesia é cantoria de pássaro em cabeça de surdo.
É fogo alto em gelo que seca.
Pois, é.

Quem busca pela poesia, foge se si.
Sem entender, que na verdade
Em si mesmo, já é poesia
Sem ter que para isso, um osso sequer mover
Sem ter que para isso, um só pensamento desenvolver.
Sem ter que ter alguma coisa como desculpa para se fazer ser poesia.
Aos olhos de um autor, és tu, poesia prima.

Matéria prima aprimorada pela mais sutil arte.
Arte de agredir em si o direito de ser.
E viver num outro, o paraíso de existir.
Com uma fome latente de flores de campos.
Ou lírios, num jardim, um tanto seco.
Que lembram mais uma falta de memória,
Que um exílio particular.

Pense que tudo que gera em tu, para si
Fecha um ciclo, como nasce e deita o Sol.
Tão certo do dia seguinte, quanto a Lua, da noite anterior

E então, em devaneio desesperado
Chora aos lenços de uma consolação fria.
Tão fria quanto quando decidiu ser ao te dizer ser-poesia.
Tão fria quanto a sinceridade de um carrasco da própria emoção.

Sejas tu, portanto, e para tanto permita porquanto
Que toda poesia que de ti aflora
Seja uma extensão de quem és 
Para que nunca deixe de encantar os autores de tão bela obra.

Sejas tu o Sol, a Lua, as estrelas e as nuvens de seu próprio céu.
Podendo assim ser a paisagem que inspira os pintores da vida.
Os cantores do tempo e os escritores de um fim.
Sendo este ultimo, detalhe.
Pois em ti já não existe morte.
Existe sim, poesia.

São Paulo

Charmosa gota de chuva que cai no vidro de uma janela.
Charmosa gota de chuva que cai no vidro da janela
Charmosa, gosta de chuva, que cai pelo vidro, na minha janela.
Charmosa que gosta de chuva e que por mim olha pelo vidro da janela.
Charmosa essa que gosta de mim e de chuva num vidro de janela.

Amor de tempestade, sem ter por quê de "agora é tarde"
Amor, detesto essa cidade, sem tem por quê de fazer viagem.
Ao mar de uma filmagem sem rumo e sem chantagem.
A mentir ao mar de uma vontade de passagem.
Que passa nessa chuva, por uma janela sem coragem.

Chove em mim essa chuva que gosta de mim em paisagem de vidro e janela, sem coragem de passar por mim nem sequer uma chantagem, fazendo isso parecer um por quê sem viagem, que olha sem rumo um amor de tempestade.

Aos meus "cons"

Que seja do mais pífio metal
Ao mais rico avental
Do mais pobre cinzal
Às rendas de conchas e cristal
Do pequeno sentinela insone
Ao adormecido compadre infame
Da moça que erra sem rumo
A que dança ao odor de fumo
O doente que padece
Ao médico que enriquece

Numa senzala de comedidos
De portas entreabertas
Abre-se para ti um momento mais desperto
Que some ao raciocínio num horizonte de por quês
Tendo somente sentido se pensado com os braços
Braços abertos ao conhecer
Esperando essa comiseração adormecer
De tanto esperar por apenas não querer mas saber.

Apoteose

Palco distorcido de palhaços irônicos.
Recorrem à fé de tolos para justificar um erro mal calculado.
Tem todos, eles todos, um meio pra isso.
Comem do pão matinal sem cuspir em taça alheia.
Não por educação, mas por sedução de virgens distraídos.
Longe dos cuidados de uma benzedeira surda.
Fogem à minha compreensão. Não que ela não os procurem.
É que todo dia tento não me afogar.
Segurando em lascas de crucifixo.
Cruz de um credo, que não o que creio.
Caducos de tanto coçar a nuca, morrem palhaços no palco.
Cozem sentados numa cadeira de madeira uma cortina furada.
Que de tão pequena esconde nada mais, nada menos, que mais nada.
Fujam de seus risos estrangulados em incerteza mal dita.
Escutem a chuva cair nos túmulos de sua ética.
Salvem sua idiotia com comprimidos de saudade.

Gravata

Chantagem do medíocre é pensar duas vezes antes de não fazer nada.
Começar um "pois não?!" sem ter dois por quês.
Ter um final semiconsciente numa tarde de feriado mentido.
Puxar um cigarro de bolso alheio e fumar a tragos tímidos e silenciosos.
Confinar seus pé à tristes sapatos verdes de pavor.
Possuindo em todo o "si" nada mais que o "se".
Ser consistentemente uma inconstância de consciência.
Sem ter definido antes mesmo da ação um final algum.
Vir sendo o viver de vendas vendidas à vista cansada.
Por conseguir apenas suportar não mais que ele no seu alguém.
Tirando de si tudo que tem ao menor sinal de um a mais valer.
Valer consigo tudo de ti, sem ter tirado o conselho de poder.
"Minhas sinceras desculpas querida culpa, mas...
Lhe dou a liberdade de ser de quem a queira
De dormir onde puder" - diria.