Sei tu

Vou te desenhar com as orelhas de um pintor surdo.
Pois não uso senão o sentir como paleta e o agir como pincel.

Janaína

Eu queria saber falar italiano, falar francês, falar inglês.
Queria saber dizer num latim barato qualquer coisa de efeito.
Alguma coisa assim que na verdade é simples mas parece bonito
Em qualquer outra língua que não a minha.
O som disso faz parecer que não fui eu.
Como alguma raridade da língua que se expõe a quem quer.

Dizer coisa simples eu sei de monte,
É só juntar as palavras num rasguinho de papel velho
Um adjetivo antes de um verbo
Pra falar de amor, de um jeito rebuscado.
Pintar de bonito um ladrilho esbranquiçado.

Como é que era?
Tinha que mudar o que?
Me falha a memória das coisas que não passei.
Janaína tinha.

Simplesmente querer

Se eu quisesse um algum querer, a isso a vontade, negada não me seria.
Se eu quisesse um algum querer, a vida isso não negaria.
Se eu quisesse um dia querer algo disso, a vida daria.
Se um dia eu pensasse em viver, talvez viveria.

Nota:
Se eu quisesse um algum querer, a vida isso não negaria.
Se eu quisesse um algum, querer a vida, isso não negaria.
Se eu quisesse um algum querer, a vida, isso não, negaria.
Se eu quisesse um algum querer, a vida, isso, não negaria.

Flor que chora

Um fiapo, um fiasco, um fim de papo
Um adeus inacabado, um amor despedaçado
Um qualquer abandonado, jogado
Aos cuidados de um sonho inacabado

Deixar o estar para se tornar o ser,
Fingir o estar para enganar o ser
E nunca ser o que se está, pois não se é.

Todos médicos, todos pacientes
Nem sempre pacientes. Conscientes.
Nem sempre conscientes de um fim inexistente.

É que quando o peso do mundo ameaça dobrar o joelho
Quando a estrada dá adeus pro seu fim
Quando pedras abraçam os calcanhares
E a lágrima de cansaço e profunda e incompreendida dor se deita no rosto
Que o caminho finalmente tem água pra que cresçam flores
Ai daquele que não vê que o regou por ter os olhos inchados de tanto caminho.

Um pomar da lentidão
Pois nessa vida a pressa fez-se perder amores, calores e odores
É lento, sábio, completo e perfeito.
É leito de morte e vida
Ha ha ha
Triste e sádico não é...

Não há delongas pra rosa que não tem espinhos!
Desde sua raiz até às pétalas é livre de decepções.
Qualquer um que queira, colhe.
Mas quanta poesia, sabedoria e charme há numa rosa com espinhos!
Essa, não é colhida, se deixa colher.
Um charme bobo todo cheio de si que se apossa da gente.

Tudo isso por que um dia, algumas lágrimas foram deixadas cair.

Foto

Sua vida como uma foto
Em sépia, gasta nos cantos
Precisa de olhos de saudade
Chorando em prantos
Piedade em gotas
Compaixão em cristais
De gelo seco pelo remorso
De um dia ter matado dentro de si
A saudade da solidão
O gosto pela penumbra esfumaçada
De cigarro ou cachimbo e café
Em pose numa poltrona vermelha
Fazendo disso tudo parecer
Como sua vida, numa foto
Em sépia, gasta nos cantos
Que não mais chora
Não mais vê

Disistir



Todo dia pensar em disistir

Desistir com "i" mesmo

Pois é simples

Fosse a vida simples

De coisas simplistas

Poderíamos, simplesmente desistir

Num banquinho

Tinha uma coisa que um velho muito velho costumava dizer. Dizia que o que tinha de belo no feio era a verdade de reconhecer que a perfeição está em existir por ter esse direito, por ter essa vontade. Não sabia dizer se era mais vontade ou mais direito, ou se era direito ter vontade. Mas sorria, pois, no final, tinha sempre algo a se sorrir.

Quando se fica leve pelo simples fato do peso não ter mais sentido. Quando a consciência de tão amiga do corpo, voa e de boa vontade leva ele junto pra longe. E aí ela vai, junto dos passarinhos, que sem saber que existem são mais sólidos que o homem que de tanto pensar se existe acaba ficando confuso e adoece triste.

Ia assim, indo. Simplesmente sendo qualquer coisa que não deixava de ter em si tudo e todos aqueles que um dia já deitaram ouvidos nas suas frases, que também eram misturas de frases de outros que um dia já tinha deitado ouvidos. Um cópia, feita e refeita, que se reforma e fica mais bonita e sutil a cada dia.

Podia ser que um dia reconhecesse que se estava errado mas não ligava. Enquanto esse dia não chegasse não pararia de tentar sorrir ao feio, ao belo, ao sim e ao não. Insistia dizendo que no final, a gente se sente sem escolhas por não reconhecer que pode tudo. Ou então, se pode tudo que se pode ser, sem nunca saber se já é, foi ou ainda será!