Segundo

Conjecturei que poderia haver mais que céu num tanto de terra.
Que poderia conter mais que sal num gota de mar.
Conjecturei que a grama que arrebata os frutos caídos
Poderia sim, ter mais um pouco de alguma coisa que só grama.

Me disse um mestre que fazer tal coisa é perigo.
Perigo de forno quente pra mão de criança curiosa.
Que nem sempre, por que tem chave...há de ser aberto.
Mas teimando e queimando a mão: olhei.

Bisbilhotei por entre as páginas mal encadernadas do antes de ontem.
Li um pouco das entrelinhas do antes de agora.
E conjecturei...conjecturei sobre o antes do depois.
Por sorte, a luz que iluminava o quarto queimou e pude adormecer.

Adormeci sobre os livros que ainda não li.
Os poemas que não escrevi.
As árvores que ainda não plantei.
Dormi sobre o antes do depois, que me foi já e agora é o antes de ontem.
Corrido esse tempo de quem tem pálpebras de café.
Corrido esse tempo de quem come pão de relógio.
Corrido esse tempo há quem saia do jejum de só pensar.

Aí corri. Corri mais rápido que o ponteiro do relógio.
Corri tão rápido que vi o ponteiro parar.
Foi quando me julguei tão mais rápido que os olhos pela frase.
Foi quando me julguei tão mais rápido que os lábios pela palavra.
Tão mais rápido...
Me julguei superior ao ponteiro.
Aí, foi quando vi que meu relógio não mais cantava-me as horas.
O mergulhei num copo de "depois eu vejo" e segui em... atrás...
Vai que andando de costas recupero as batidas perdidas.
Perdidas no desdém pretenso de imortalidade do pensar.
Ah...que seja!
Queria, antes de fugir...conjecturar...

Rosa dos ventos

Faz vista comprida que mareja por águas próprias
Com o olhar de "sem-curva" vê que as nuvens beijam o mar
Distante, deita a razão do viajante
Distante do barco, que com apreço habita
No convés, convém que venha a ter um livro aberto
Com tinta o suficiente para que a pena de viver escreva
Escreva ao se ver, todas as maravilhas, que nos seus próprios e imensos mares
De pedras claras e águas por vezes escuras
Vier, com paciência e razão, conhecer
Mas salga suas páginas com suor, lágrimas e mar.
Quer queira, quer...queira.

Não cogita fugir de suas rotas profusas e confusas.
Pois, de tão surpreendentes e tão suas
As conhece como conhece os caminhos uma errante personagem de rua
Que tem todos os caminhos nele sem a consideração de ser tido como guia
Tem todas as telas de um dia no coração ressentido
Sem ser tido como pinacoteca do cotidiano.

Mas um dia, esse viajante cansa.
Se cansa das cartografias próprias
Que de tão sabidas, as percorre todas, todos os dias, de olhos fechados.
Cansado, procura, hasteia velas ao passo que rema
Desesperado por se encontrar
Desesperado por não conseguir se perder.
E quando não mais pode esperar, desesperar, remar ou sequer navegar
Pára.
Ao amor, sabor e calor de revoltas águas demasiado calmas.

De sôfrego relampejo de esperança efêmera
Que traja em si o percurso de olhos turvos,
Da por si, conta de sim, ser revolto de calmaria sóbria
Ensandecido por estar completamente faltante de faltas.
Completo e faltante numa catarse estanque.


Ao vento, encontra de repente, um istmo.
De águas de entorno, rasas e límpidas.
Manobra seu surrado navio, de tantas viagens.
E sem cerimônia, desembarca.
Agradece ao navio por sua serventia e o deixa.

E então, depois de muito capitanear e comandar seus próprios intentos.
Há de servir em outros conveses.
Visitar novas águas para salgar novas páginas.
Não mais espera, não mais se desespera.
E nos seus olhos, ainda de oceano.
Sereno. Garoa. Não mais tempestade a marejar seus caminhos.


Que foge aos brilhos teus.

E onde tem? Poesia? Poesia.
Tem onde se sabe notar.
A poesia tem em si as coisas e não o contrário.
Mas e onde achar? Mas e onde saber ver?
E onde, dentre tantos sorrisos sem brilho,
Abraços sem calor e noites sem amor, achar poesia?

Se assim o diz, para ti, poesia é um lugar.
Não há de se ir em lugar algum pela poesia.
Poesia é cantoria de pássaro em cabeça de surdo.
É fogo alto em gelo que seca.
Pois, é.

Quem busca pela poesia, foge se si.
Sem entender, que na verdade
Em si mesmo, já é poesia
Sem ter que para isso, um osso sequer mover
Sem ter que para isso, um só pensamento desenvolver.
Sem ter que ter alguma coisa como desculpa para se fazer ser poesia.
Aos olhos de um autor, és tu, poesia prima.

Matéria prima aprimorada pela mais sutil arte.
Arte de agredir em si o direito de ser.
E viver num outro, o paraíso de existir.
Com uma fome latente de flores de campos.
Ou lírios, num jardim, um tanto seco.
Que lembram mais uma falta de memória,
Que um exílio particular.

Pense que tudo que gera em tu, para si
Fecha um ciclo, como nasce e deita o Sol.
Tão certo do dia seguinte, quanto a Lua, da noite anterior

E então, em devaneio desesperado
Chora aos lenços de uma consolação fria.
Tão fria quanto quando decidiu ser ao te dizer ser-poesia.
Tão fria quanto a sinceridade de um carrasco da própria emoção.

Sejas tu, portanto, e para tanto permita porquanto
Que toda poesia que de ti aflora
Seja uma extensão de quem és 
Para que nunca deixe de encantar os autores de tão bela obra.

Sejas tu o Sol, a Lua, as estrelas e as nuvens de seu próprio céu.
Podendo assim ser a paisagem que inspira os pintores da vida.
Os cantores do tempo e os escritores de um fim.
Sendo este ultimo, detalhe.
Pois em ti já não existe morte.
Existe sim, poesia.

São Paulo

Charmosa gota de chuva que cai no vidro de uma janela.
Charmosa gota de chuva que cai no vidro da janela
Charmosa, gosta de chuva, que cai pelo vidro, na minha janela.
Charmosa que gosta de chuva e que por mim olha pelo vidro da janela.
Charmosa essa que gosta de mim e de chuva num vidro de janela.

Amor de tempestade, sem ter por quê de "agora é tarde"
Amor, detesto essa cidade, sem tem por quê de fazer viagem.
Ao mar de uma filmagem sem rumo e sem chantagem.
A mentir ao mar de uma vontade de passagem.
Que passa nessa chuva, por uma janela sem coragem.

Chove em mim essa chuva que gosta de mim em paisagem de vidro e janela, sem coragem de passar por mim nem sequer uma chantagem, fazendo isso parecer um por quê sem viagem, que olha sem rumo um amor de tempestade.

Aos meus "cons"

Que seja do mais pífio metal
Ao mais rico avental
Do mais pobre cinzal
Às rendas de conchas e cristal
Do pequeno sentinela insone
Ao adormecido compadre infame
Da moça que erra sem rumo
A que dança ao odor de fumo
O doente que padece
Ao médico que enriquece

Numa senzala de comedidos
De portas entreabertas
Abre-se para ti um momento mais desperto
Que some ao raciocínio num horizonte de por quês
Tendo somente sentido se pensado com os braços
Braços abertos ao conhecer
Esperando essa comiseração adormecer
De tanto esperar por apenas não querer mas saber.

Apoteose

Palco distorcido de palhaços irônicos.
Recorrem à fé de tolos para justificar um erro mal calculado.
Tem todos, eles todos, um meio pra isso.
Comem do pão matinal sem cuspir em taça alheia.
Não por educação, mas por sedução de virgens distraídos.
Longe dos cuidados de uma benzedeira surda.
Fogem à minha compreensão. Não que ela não os procurem.
É que todo dia tento não me afogar.
Segurando em lascas de crucifixo.
Cruz de um credo, que não o que creio.
Caducos de tanto coçar a nuca, morrem palhaços no palco.
Cozem sentados numa cadeira de madeira uma cortina furada.
Que de tão pequena esconde nada mais, nada menos, que mais nada.
Fujam de seus risos estrangulados em incerteza mal dita.
Escutem a chuva cair nos túmulos de sua ética.
Salvem sua idiotia com comprimidos de saudade.

Gravata

Chantagem do medíocre é pensar duas vezes antes de não fazer nada.
Começar um "pois não?!" sem ter dois por quês.
Ter um final semiconsciente numa tarde de feriado mentido.
Puxar um cigarro de bolso alheio e fumar a tragos tímidos e silenciosos.
Confinar seus pé à tristes sapatos verdes de pavor.
Possuindo em todo o "si" nada mais que o "se".
Ser consistentemente uma inconstância de consciência.
Sem ter definido antes mesmo da ação um final algum.
Vir sendo o viver de vendas vendidas à vista cansada.
Por conseguir apenas suportar não mais que ele no seu alguém.
Tirando de si tudo que tem ao menor sinal de um a mais valer.
Valer consigo tudo de ti, sem ter tirado o conselho de poder.
"Minhas sinceras desculpas querida culpa, mas...
Lhe dou a liberdade de ser de quem a queira
De dormir onde puder" - diria.

Wagner, existem pessoinhas?

Uma pessoinha tinha uma casinha.
Nessa casinha tinha uma cozinha
Cheia de faquinhas e colherzinhas.

Uma pessoinha tinha uma casinha
Nessa casinha tinham janelinhas
E nela se entrava por uma portinha.

Uma pessoinha tinha uma casinha
Essa casinha tinha um telhadinho.
Nesse telhadinho tinha uma chaminé

Um dia uma cartinha chegou
Sem abrir, a pessoinha sorriu
E com muito amor, a cartinha guardou.

Nos dias que seguiram
Muitas cartinhas chegaram
E até ao chão, algumas ficaram.

A pessoinha sorria
Boba e contente
A cada carta que recebia.

A pessoinha sorria
A cada carta que não vinha
Mas não lia.

Depois de várias noitinhas
E várias manhãzinhas
As cartinhas estavam vazias.

Vieram contar pra pessoinha
Que quem da casinha não saía,
Com as Valquírias não cavalgaria.

Porta-retrato

Sua eloquência é recheio da sobremesa de hipócritas
É exemplo de viril besta ensandecida.
É sonho de virgem cega.
É esperança de mármore ruim.

Por que ao mundo não faltam palavras
Ao mundo não falta presença
Ao mundo não faltam pessoas
Ao mundo faltam faltas.

É por não sentirem falta que se ausentam da vida
Não sentem falta por que substituem
Substituem a falta por boneca russa.
Que no final se encontra uma foto de si

Narcisismo do niilista, ou niilismo do narcisista
Ostracismo do demagogo, ou demagogia da abstenção
Que de tanto andar mancando, de olhar torto e punhal na mão
Fez personagem de história repleta de mediocridades impressionantes.

O que te preenche boneca russa?

Improducência

Épocas do arianismo intelectual.
Das oligarquias preferenciais.
Das segregações por mérito baseados na pouca reflexão.

Venha vós ao nosso reino e que sejam feitas nossas vontades.
Um mimo do inconsciente. Imperativo, hiperativo e inconsequente.
Carpe.

A propaganda perecível do impagável.
A inutilidade do imperfeito cultuada e adorada.
O despotismo da infantilidade exaltada.
Triunvirato da psique.

Que seja. Que sejam. Quaisquer que foram.
Folclore. Crendice nossa...

E ainda hasteiam bandeira queimada em telhado de igrejas semi-construídas.
Jargões em janelas de hospícios.
Bolsas de sangue em abatedouros recém-construídos.
Alimentos em mansões de madeira em podridão.

São mil os exércitos que hei de construir pra que defenda com todas as forças os ovos num covil de ignorância e intolerância.
Faça como tal e vire santo.
Santo viril.
Santo.
Mil.
São mil exércitos.

Amor de ferrovia

Construí com os sarrafos da minha consciência
Uma estrada de ferro.
Que leva os trens por onde não sabem andar.
Me dediquei a essa estrada como dedica a rosa ao seu perfume
Era pra ser linha reta. Mas usei como bigorna o gosto amargo do café
Usei como martelo a insistência petulante de algum viajante aleijado.
A estrada some no horizonte. Onde há vista, há estrada.
Consome em si a paciência de continuar correndo.
E ainda não sei quando começou a ser construída
De pronto grande pedaço de caminho havia sido colocado
No meio de um deserto de coisas a serem montadas.
Mas pra poucos é de se perceber que um grande círculo forma esse caminho.
Que circunda um cemitério. Cemitério de ferro, museu de sarrafo.
Um museu de crimes contra minha consciência.
Um museu de crimes contra uma estrada.
Portanto, sem mim não encontrarei meu fim.
Mas lhe admiro, enquanto estação de trem.
Se sou estrada, são eles os trens é é você a estação.
Não há sentido em estarem separados.

Fosse isso.

Foi-se, por que é desproporcional.
É de ser, é de estar.
É dizer, que agora a foice é reza de louco em campo de lírio morto.
Que findo o cansaço é chegada a hora do pé voar por cima da responsabilidade
E descansar saudoso do abraço do sapato de couro velho.
Calçado que levou tanto tristeza arrastada sobre terra batida,
Quanto sorriso em grama recém-cortada.
Com cheiro de manga fresca que cai do pé por querer conhecer o mundo.
Cai em sombra de grandeza, com ambição de ser árvore.
Ter um dia raiz profunda pra que vento nenhum dobre.
Puxa que caduco.
Tinham rosas pra regar, margaridas pra colher e tabaco pra secar.
Foi-se antes que o Sol nascesse de novo.
Não queria que o brilho ofuscasse seus olhos empedrados de horizonte.
Nem que as nuvens enfeitassem o topo da cabeça, calva de tanto pensar.
É por que é desproporcional que viva sendo mais que terra ou manga.

Ódio dissolvido em críticas. Bom.

Muda pois, não mudo-te.
É mais pela metade faltante que pela que vai completar.
Fica essa tua mentira mal contada pela metade.
Pela metade tu andas contando e cantando
Os contos aos cantos e catando cacos aos montes.
Poeira de caco remontado em carpete velho.
Muda-te, senão, mudo-te.
Pois mudar consiste de não ser o mesmo.
Ou vai consumir todo o mundo antes disso?
Pode ser te afogues em vento que sai do teu peito.
Lá não habita a conformidade imponente de cachorro doente.
Nós. Ego. Eles.
Pois de "sós", têm de sobra. E o que te sobra?
O sabor de deixar cair a ultima folha de árvore robusta no outono.
Com o pescoço dolorido de tanto olhar pra trás.
Muda-te, ou te mantém.
Já é inverno e ainda procura as folhas pra se cobrir.
Há de morrer de frio mesmo coberto de fogo.
Ou quem sabe é tudo mais um gole de pergunta sem resposta...

Papel pardo

O nada que me compõe é da mais sólida rocha.
Um erro muito bem fundamentado em verdades mal ditas.
Ou um meio acerto de um velho mesquinho.
De sorte alguma pude prever...
Que do gosto do mel me sobraria mascar o favo.
Mas é isso não é? Mascar o favo da modéstia amarga.
Que do café me sobraria a borra queimada.
Mas é isso não é? Refazer o feito para reter um melhor efeito.

Lamber os dedos já esquálidos de tanta fome.
Fome de existência, fome de existir.
Fome que some e assoma e somente soma.
Soma um nada esquisito que completa o que não faltava.
E aí, o mel e a borra se mostram não como castigos, mas como presentes.
Fosse eu merecedor de coisa melhor, não haveria por que escrever poesia.
Eu apenas sorriria.

Pontos...pausas.

Quanta graça e charme tem numa fala pausada.
São as pausas que dão fôlego pra mente.
Como esses mestres da sabedoria humana, que descansam a língua a cada provocação.
São as pausas que dão sentido ao continuar andando.
Por que começou a andar se no começo não havia pensado em pausar?
Mas nem sempre a pausa é bem-quista.
Chuva. Belas gotas de profundidade intelectual
Se perdem em rios de tristeza inerte.

Quais são? Quais são as coisas que movem seus passos até a próxima pausa?
Quando, para você, é a próxima pausa?
Um fôlego interminável que tem raiz num medo infindável.

Medo? Medo de que? Há sempre o desprevenido para perguntar.
Medo da pausa, a pausa que diz que sou.
A pausa que me mostra o que fui, onde estou e para onde eu vou.

Portanto...quem não pausa tem medo.
Medo de saber de si mesmo aquilo que nega na escultura do outro.
Fosse de outro jeito nossa consciência não viveria num leito.
Leito de enfermo ensandecido por não poder sentir o vento que vem da janela.
Janela do hospício onde trancamos a verdade.
Onde trancamos os papéis com a descrição fiel do que somos.

Minhas desculpas.

Se mudo, mudo por ti.
Mudo por que acha o erro onde construí a certeza.
Se choro, choro por ti.
Que me muda e me cura da cegueira.
Se rio, rio por ti.
Que me mostra graça na desgraça de viver chorando e mudando por ti.
Agora, se fujo, isso faço por mim.
É difícil me ser sem te ter.
Ou te ter sem me ser.
Então se fujo de ti, é por que na verdade fujo de mim.
Pois tenho em ti o ideal de mim.
Calado consinto em ceder.

É quando procura a mim que me acho.
Pois deixei de me ser quando quis te ter.
Troquei o querer ver por apenas viver.
E me basta teu sorriso, teu choro e teu riso.
Numa curta manhã de domingo.
Para que, de novo, me tenha em ti como te tenho em mim.
Um pedido de desculpas silencioso.
Silencioso como o que não disse por esquecer quem sou.
E esqueceu quem sou, pois deixei de me ser.
Para apenas viver para ver você ser.

Asco

Olha pra ti flor que nasce no estrume.
Semente expurgada de ódio crescente.
Equivocada ao existir sem pedir perdão.
Renegada pela menor virtude.
Incitada tantas vezes num livro de ignorantes.
Olha pra ti, flor que nasce do estrume.

Fincada três vezes em terra estéril
À moda de princesa morta de alguma cova mal pisada
Ungida de pudor inverossímil
Confinada em jaulas invisíveis
Com portas de orgulho e presunção
Olha, pra ti. Flor do estrume.

Já não pode ver, pois de pungente e fétido rancor apodrece imaculada
Flor do estrume, flor de jaula, jaula e estrume numa flor de fumo
Fraca e falha, feia e flácida.
É senão uma flor que nasce
Nasce morta por ser de estrume.
Nasce e morre, a flor do ciúme

Dois dedos

Te amo a dois dedos do fundo do meu coração
Dois para a esquerda. pertinho de onde eu me amo
Até digo que te amo tanto quanto amo meus sonhos

Dois dedos é o que falta para encher um copo com gotinhas
Gotinhas de "espere mais um pouco"
A dois dedos de um eterno amor
E mais dois de conhaque para relembrar

Puxa vida como passou rápido!
Como um rastro de perfume no vento
Que descola do corpo de um qualquer, como se fosse flor da noite

Isso é de inspirar dois dedos de suspiro
Ingrediente esse de amor difícil
Como bolha de sabão na mão de uma criança.
Deslumbre de segundos apressados.

De dois em dois dedos, uma mão cheia de amor,
Estendida, pronta pra doar a si em completo.
É que a morte só separa se jurarmos com dois dedos.

Sei tu

Vou te desenhar com as orelhas de um pintor surdo.
Pois não uso senão o sentir como paleta e o agir como pincel.

Janaína

Eu queria saber falar italiano, falar francês, falar inglês.
Queria saber dizer num latim barato qualquer coisa de efeito.
Alguma coisa assim que na verdade é simples mas parece bonito
Em qualquer outra língua que não a minha.
O som disso faz parecer que não fui eu.
Como alguma raridade da língua que se expõe a quem quer.

Dizer coisa simples eu sei de monte,
É só juntar as palavras num rasguinho de papel velho
Um adjetivo antes de um verbo
Pra falar de amor, de um jeito rebuscado.
Pintar de bonito um ladrilho esbranquiçado.

Como é que era?
Tinha que mudar o que?
Me falha a memória das coisas que não passei.
Janaína tinha.

Simplesmente querer

Se eu quisesse um algum querer, a isso a vontade, negada não me seria.
Se eu quisesse um algum querer, a vida isso não negaria.
Se eu quisesse um dia querer algo disso, a vida daria.
Se um dia eu pensasse em viver, talvez viveria.

Nota:
Se eu quisesse um algum querer, a vida isso não negaria.
Se eu quisesse um algum, querer a vida, isso não negaria.
Se eu quisesse um algum querer, a vida, isso não, negaria.
Se eu quisesse um algum querer, a vida, isso, não negaria.

Flor que chora

Um fiapo, um fiasco, um fim de papo
Um adeus inacabado, um amor despedaçado
Um qualquer abandonado, jogado
Aos cuidados de um sonho inacabado

Deixar o estar para se tornar o ser,
Fingir o estar para enganar o ser
E nunca ser o que se está, pois não se é.

Todos médicos, todos pacientes
Nem sempre pacientes. Conscientes.
Nem sempre conscientes de um fim inexistente.

É que quando o peso do mundo ameaça dobrar o joelho
Quando a estrada dá adeus pro seu fim
Quando pedras abraçam os calcanhares
E a lágrima de cansaço e profunda e incompreendida dor se deita no rosto
Que o caminho finalmente tem água pra que cresçam flores
Ai daquele que não vê que o regou por ter os olhos inchados de tanto caminho.

Um pomar da lentidão
Pois nessa vida a pressa fez-se perder amores, calores e odores
É lento, sábio, completo e perfeito.
É leito de morte e vida
Ha ha ha
Triste e sádico não é...

Não há delongas pra rosa que não tem espinhos!
Desde sua raiz até às pétalas é livre de decepções.
Qualquer um que queira, colhe.
Mas quanta poesia, sabedoria e charme há numa rosa com espinhos!
Essa, não é colhida, se deixa colher.
Um charme bobo todo cheio de si que se apossa da gente.

Tudo isso por que um dia, algumas lágrimas foram deixadas cair.

Foto

Sua vida como uma foto
Em sépia, gasta nos cantos
Precisa de olhos de saudade
Chorando em prantos
Piedade em gotas
Compaixão em cristais
De gelo seco pelo remorso
De um dia ter matado dentro de si
A saudade da solidão
O gosto pela penumbra esfumaçada
De cigarro ou cachimbo e café
Em pose numa poltrona vermelha
Fazendo disso tudo parecer
Como sua vida, numa foto
Em sépia, gasta nos cantos
Que não mais chora
Não mais vê

Disistir



Todo dia pensar em disistir

Desistir com "i" mesmo

Pois é simples

Fosse a vida simples

De coisas simplistas

Poderíamos, simplesmente desistir

Num banquinho

Tinha uma coisa que um velho muito velho costumava dizer. Dizia que o que tinha de belo no feio era a verdade de reconhecer que a perfeição está em existir por ter esse direito, por ter essa vontade. Não sabia dizer se era mais vontade ou mais direito, ou se era direito ter vontade. Mas sorria, pois, no final, tinha sempre algo a se sorrir.

Quando se fica leve pelo simples fato do peso não ter mais sentido. Quando a consciência de tão amiga do corpo, voa e de boa vontade leva ele junto pra longe. E aí ela vai, junto dos passarinhos, que sem saber que existem são mais sólidos que o homem que de tanto pensar se existe acaba ficando confuso e adoece triste.

Ia assim, indo. Simplesmente sendo qualquer coisa que não deixava de ter em si tudo e todos aqueles que um dia já deitaram ouvidos nas suas frases, que também eram misturas de frases de outros que um dia já tinha deitado ouvidos. Um cópia, feita e refeita, que se reforma e fica mais bonita e sutil a cada dia.

Podia ser que um dia reconhecesse que se estava errado mas não ligava. Enquanto esse dia não chegasse não pararia de tentar sorrir ao feio, ao belo, ao sim e ao não. Insistia dizendo que no final, a gente se sente sem escolhas por não reconhecer que pode tudo. Ou então, se pode tudo que se pode ser, sem nunca saber se já é, foi ou ainda será!